Convidados


Conferência de Abertura
TRANSFUSÂO
Fluxos sincréticos entre aldeia e metrópole

Dr. Mássimo Canevacci - Università degli Studi di Roma La Sapienza

A conferência apresenta uma antropologia multis-situada entre a ubiquidade sincrética que envolve a grande metrópole (São Paulo ou Belém) e as pequenas aldeias (por exemplo, Meruri). O processo de transfusão sincrética  é visão política-cultural que mistura estrangeiro e familiar, material e imaterial,  corpo e  “screen”, além da dialética dicotômica. O desafio atual é narrar através uma composição experimental os cruzamentos poético-políticos entre  metrópoles  e aldeias afirmando a potencialidade do multividuo (“o eus”). O método etnográfico é sempre menos ligado a uma disciplina (antropologia cultural) e sempre mais expandido segundo características “indisciplinadas” e “ubíquas”: varias pesquisas no âmbito dos estudos culturais tem necessidades de desenvolver descentrados e diferentes métodos experimentais quem desenvolvem uma visão pragmática transdisciplinar. A minha perspectiva è de aplicar o estupor metodológico e o método-em-montagem sobre os fluxos digitais entre aldeia, metrópole e comunicação. A composição narrativa em forma de constelação flutuante focaliza a etnografia ubíqua baseada sobre tensões dialógicas e polifônicas, meta-fetichistas e metamórficas. Emergem as potencialidades conflitualmente descentradas, mimeticamente ambíguas, irresistivelmente expandidas da autorepresentação. Narrativas digitais, imaginação exata e performances locais se manifestam nos fluxos conectivos que misturam arte, publicidade, design, arquitetura, cinema, música, moda, esport. Isto é política comunicacional.
Local: Auditório ICJ


      Dia 25/11
Tarde

14:30 às 16:20
Mesas Redondas
Mesa 01 - ETNICidades: Línguas, Mídias e Cosmologias

MEDIADORA: Profª Drª Vera França (UFMG)


ETNICIDADES AMAZÔNICAS: DISCURSOS E MEDIAÇÕES
Profª Drª Ivânia dos Santos Neves (UFPA)

O enunciado “Nós é índio”, pichado em 2014, nas paredes de um viaduto, na entrada de Belém, capital do estado do Pará, visibiliza uma memória insistentemente silenciada e interditada nestes 400 anos de colonização da região: a pluralidade étnica da cidade. Nas heterogêneas realidades da Amazônia, com suas grandes metrópoles e seus povos indígenas isolados na floresta, a definição eurocêntrica de cidade não faz muito sentido. Hoje, nos muros da cidade e nas redes sociais, práticas culturais indígenas e africanas encontram novos espaços de produção de sentidos, e mais uma vez trapaceiam com o dispositivo da modernidade/colonialidade. A presença de indígenas e negros nas redes sociais, as cotas nas universidades públicas e a Lei da Diversidade Étnico-racial que obriga o ensino de história africana e indígena nas escolas são configurações da atualidade favoráveis à visibilidade destas memórias submersas na grande mídia, nas escolas, nas igrejas, nas conversas cotidianas. Nesta mesa, falarei um pouco do resultado de dois projetos de pesquisa, que junto com a equipe do GEDAI, estão em execução desde 2013: “A invenção do índio: discursos e identidades” e “400 anos depois: experiências nas paisagens de Belém”. Nesta confluência, a pluralidade étnica nas práticas discursivas ditas urbanas, os usos e apropriações das novas tecnologias por novos públicos consumidores e a (re)produção das identidades (GREGOLIN, 2007) amazônicas, nos meios massivos e pós-massivos, ao mesmo tempo em que estabelecem, também dissolvem as fronteiras aldeia-cidade. Todo nosso esforço de pesquisa para compreender este movimento de apagamento e visibilidade da pluralidade étnica das cidades amazônicas, fundamenta-se nas novas possibilidades da etnografia contemporânea (CANEVACCI, 2005), com suas fragmentações e seus espraiamentos por diferentes espaços, sem perder de vista que todos os sujeitos envolvidos, inclusive o pesquisador, estão imbricados em suas condições de possibilidades históricas (FOUCAULT, 2005). O campo se pluralizou e convergiu para as novas mídias (JENKINS, 2009), por isso considero que a interação com os moradores das cidades, incluindo os indígenas, assim como levantamentos bibliográficos e buscas nas páginas da internet, nas matérias impressas e audiovisuais do telejornalismo, nas telenovelas, nos cinejornais é bastante significativa para os estudos da linguagem e da cultura.



NA MÍDIA, NA RUA, NA ALDEIA: RELFEXÕES SOBRE VISIBILIDADE E INVISIBILIDADE EM DIÁLOGO COM A COSMOLOGIA KAIOWA
Profª Drª Luciana Oliveira (UFMG)

Falar sobre povos indígenas na cidade parece, para a doxa corrente, um contra-senso. Se se fala de indígenas, não se pode falar em cidade. As ontologias que sustentam a relação da sociedade brasileira com as sociedades indígenas ainda lançam mão das imagens dos índios descritas nas cartas portuguesas do século XVI ou das personagens românticas da fundação do Brasil enquanto nação moderna. Além disso, constituem contemporaneamente essas ontologias a descrença ou desdém quanto à autenticidade de sua condição étnica – do que situar-se na cidade ou em relação com ela é um forte indicador – lançando-os ao lugar de não-índios, de pobres urbanos ou mesmo de mendigos sem nenhuma consideração pelos processos históricos e redes de memória de constituição do ser indígena no Brasil e menos ainda pelos seus modos de vida, suas filosofias, seus saberes, bem como seus direitos e reivindicações políticas. Nesse trabalho, pretendo apresentar como tais relações ocorrem de forma concreta no caso específico dos povos Guarani e Kaiowa do Mato Grosso do Sul tanto nas interações sociais cotidianas quanto em material midiático selecionado. As materialidades midiáticas compreendem tanto aquelas presentes nas mídias tradicionais locais quanto materiais produzidos pelos Kaiowa num esforço de se tornarem visíveis de outra forma que não aquelas que são alimentadas por estereótipos e estigmas. Nas mídias tradicionais locais os posicionamentos implicados têm sérias consequências políticas e humanitárias: põem em cheque as conquistas de direitos ocasionadas pelos movimentos indígenas, balizam erroneamente as políticas públicas e atrasam ainda mais os processos demarcatórios (fulcro das reivindicações políticas contemporâneas desses povos). Por outro lado, pretendo ainda mostrar, com base na experiência etnográfica, na produção audiovisual e nas formas de comunicação autônomas, como os indígenas lidam com as relações com o entorno urbano e fazem (sobre)viver para si e para os outros a cultura e a “cultura”, pois permeiam essas relações a “cultura”, com aspas, tal como a define Carneiro da Cunha (2009) num jogo recíproco de objetificações que de algum modo possa garantir o diálogo intercultural, ainda que este seja sempre permeado de equívocos (VIVEIROS DE CASTRO, 2012). Nesse sentido, o texto busca um diálogo forte com a cosmologia guarani a fim de entender escolhas estratégicas de sua comunicação com o mundo dos brancos, especialmente, no que se refere à visibilidade, considerando que a invisibilidade pode ser vista como uma virtude a partir do sistema cosmológico, em dois sentidos: 1) a invisibilidade como sinal do fortalecimento (mbareté) ocasionado pela reza ao xamã; 2) o valor da palavra que deve ser proferida sem excessos dada a sua natureza sagrada. No segundo sentido, chama especial atenção a aproximação entre comunicação e filosofia, dado que Kuaapavê/Kuaareka, que significa filosofia, amor pelo saber, conhecido apenas pelo ser humano consciente de sua própria ignorância se aproxima de Kuaapyrã, que significa notícia, notável, aquilo que se há de saber, que se pode averiguar.



AS CIDADES DA AMAZÔNIA: CEMITÉRIOS DE LÍNGUAS INDÍGENAS, UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E SOCIOLINGUISTICA
Prof. Dr. José R. Bessa Freire (UNIRIO- UERJ)

Um novo campo de estudo, relacionado à história do urbanismo e do planejamento espacial, vem discutindo como os portugueses construíram vilas e aldeias no Brasil-colônia e a importância que tiveram esses “núcleos civilizatórios” na história do país. A reflexão nesse campo pode contribuir, seguramente, para elucidar a relação entre o crescimento das cidades e a expansão da língua portuguesa na Amazônia. Para refletir sobre essa relação, retomo o quadro de deslocamento linguístico publicado no livro "Rio Babel - a Historia das Línguas na Amazônia" (Rio, Eduerj, 2011- 2ª edição), centrando o foco sobre a situação das línguas indígenas, do nheengatu e do português nas cidades de Belém e Manaus. Essas duas cidades são cemitérios de línguas indígenas, onde estão sepultados os últimos falantes de muitas línguas que foram extintas. Para discutir como o urbano mexe com a língua e a identidade, complemento a documentação histórica consultada com dados obtidos em entrevistas com índios que vivem em Manaus, basicamente com os participantes do Curso de Formação de Professores Indígenas Residentes em Manaus, que ministrei em 2006 a convite da Secretaria Municipal de Educação.


Local: Auditório ICJ


16: 30 às 18:40
Mesa 02 - A CIDADE COMO ESPAÇO PÚBLICO

MEDIADORA: Analaura Corradi (UNAMA)

CIDADE E SUBALTERNIDADE: POLÍTICA E COTIDIANO DAS TRABALHADORAS INFANTIS DOMÉSTICAS EM BELÉM
Danila Cal (UNAMA; Colaboradora PPGCom UFPA)

Tanto na literatura paraense quanto nos relatos históricos e antropológicos sobre Belém é comum a figura da menina cria ou agregada que vive em casas de família para cuidar de crianças e dos afazeres domésticos. No Pará, desde o período colonial, mulheres e meninas escravas já trabalhavam dentro das casas dos senhores cuidando dos filhos deles, realizando todo tipo de serviço doméstico e, não raro, sofrendo abusos sexuais por parte dos patrões. A esse respeito, Motta-Maués (2008) esclarece que, após a abolição da escravidão, as autoridades formaram em Belém um “corpo de trabalhadores” constituído, principalmente, por adolescentes e jovens trazidos de cidades do interior do Pará para realizar serviços públicos na capital. As meninas eram encaminhadas, principalmente, para a casa de autoridades com objetivo de realizarem serviços domésticos (MOTTA-MAUÉS, 2008, p. 58). De modo complementar, ao escrever sobre a memória da infância na Amazônia, Figueiredo (2007) destaca que, no início do século XX, “crias” ou irmãs “adotivas” serviam como acompanhantes de meninas da elite local, “revelando um costume muito arraigado não só na Amazônia como em outras partes do Brasil, por meio de uma eficiente ‘circulação de menores’ oriundos de famílias mais pobres” (FIGUEIREDO, 2007, p. 340). Segundo Lamarão (2008), as feições atuais do trabalho infantil doméstico ainda guardam resquícios daquele período histórico, sobretudo no que se refere ao recrutamento das meninas por um intermediário, ou ainda às meninas entregues diretamente pelas famílias. Também são resquícios daquela época o afastamento da convivência familiar e comunitária e os impactos que a mudança para a cidade gera na vida das crianças e adolescentes. Mesmo após 400 anos da fundação de Belém, a prática do trabalho infantil doméstico ainda permanece em grande medida invisibilizada no cotidiano citadino. A partir desse contexto histórico, social e simbólico, buscamos analisar como as próprias meninas e mulheres trabalhadoras e ex-trabalhadoras infantis domésticas constroem sentido sobre o trabalho infantil doméstico e o quanto isso é revelador de práticas políticas (que podem ir da aceitação, à resistência e à solidariedade). O desafio é fazer com esses sujeitos efetivamente tenham voz na apresentação da pesquisa. Isso porque sujeitos em condições subalternas ou de vulnerabilidade são considerados majoritariamente como “seres de necessidades” ao invés de “seres de discurso”, capazes de tomar a palavra (RANCIÈRE, 2004; CAL, 2013; MARQUES, 2013). Assim, de modo contrário à visão delas como meras vítimas, buscamos considerar as possibilidades de que possam agir politicamente, questionar e refletir sobre aspectos concernentes às suas vidas e a de outros indivíduos e colocar em suspeição certa ordem estabelecida que determinaria os lugares, os papéis de cada um (RANCIÈRE, 2004). Como horizonte teórico que alimenta essa reflexão, partimos da discussão sobre práticas políticas, discursos e relações de poder embasados principalmente em Honneth (2005, 2007, 2012), Allen (2000, 2013), Lukes (2005), entre outros autores.


A CIDADE MIDIÁTICA: A ESTETIZAÇÃO DA POLÍTICA NO ESPAÇO PÚBLICO CONECTADO
Otacílio Amaral Filho (UFPA)

Discutir o conceito da cidade midiática a partir da ruptura no contemporâneo da relação territorialidade e identidade políticas, cuja essência está nos processos de comunicação intensificada quando oferece à sociedade um espaço público conectado onde se desenrolam sociabilidades próprias deste ambiente em que as mediações respondem diretamente aos processos de sociação solicitando aos indivíduos, viver a interatividade absoluta  e conectividade de forma permanente, de tal sorte que, percebem o real, impulsionados pelas tecnologias da informação, introduzindo elementos do tempo real e do espaço virtual como regimes de visibilidade pública. Observamos que na cidade proposta, a linguagem predominante é da espetacularização como narrativa, logo, as dimensões representativas da espacialidade devem ser encaradas de outra forma, pois ao consumir a cultura na cidade, situa-se também a comunicação, além do espaço, como estesia com base na emoção e afeto. Nesse sentido buscamos compreender o que tece essa nova forma de representação da realidade que funciona articulada com as tradicionais instituições da política.


A CIDADE NA ONTOLOGIA DA MULTIDÃO
Lucrécia D’Alessio Ferrara (PUC- São Paulo)

Considerando as diferenças que assinalam a história social e comunicativa da cidade cosmopolita que surge na primeira metade do século XIX, se desenvolve na metrópole de expansão industrial e adensamento populacional, até a  megalópole  marcada pela comunicação em rede, estudam-se comparativamente as relações  sociais que se estabelecem entre espaço urbano e cidade, entendidos como fenômenos distintos.  Analisam-se as narrativas que assinalam apropriações da cidade como espaço vivido, procura-se estabelecer as categorias epistemológicas que interferem no conhecimento que se produz sobre aquele espaço e suas consequências ontológicas que encontram na multidão, entendida como categoria de análise, sua dimensão radical. Entre essas categorias epistemológicas e ontológicas apresentam-se densos processos comunicativos de base interativa que permitem produzir distintas inferências cognitivas e metodológicas.

ESQUINAS POLÍTICAS E ATALHOS POÉTICOS, NA COMUNICAÇÃO DA CIDADE
Dra. Maria Helena Weber (UFRGS)

Ensaio sobre a cidade como espaço síntese da vida contemporânea. A cidade entendida como exercício social, político e poético. A cidade como conceito trabalhado nos campos da antropologia, sociologia, política, comunicação. A cidade como o lugar privilegiado de encontros e rupturas; de experiências estéticas e arquitetônicas; de movimentos do corpo e dos automóveis; de cotidianos funcionais e de rotinas construídas entre prédios e paisagens mutáveis, na cama, fábrica ou templos. Rotinas forjadas no tempo, nas imagens e no som próprios das aglomerações urbanas, dita cidades. Diferentes são as possibilidades de encarar e vivenciar a cidade, de escrevê-la ou nela se inscrever. Este é o desafio que norteia este texto provocado pelas diferentes configurações simbólicas da cidade e amparado por três perspectivas: política, poética e comunicacional. A perspectiva política pretende situar a cidade como um discurso instituído em meio a disputas entre instituições e atores políticos e governamentais que a ela destinam soluções e projetos pendurados em promessas sobre mudanças e qualidade de vida. Diferentes cidades para diferentes ideologias são reconstruídas simbolicamente, no intuito de atrair os habitantes que a constituem, como testemunhas. Habitantes que gritam, obedecem e se revoltam contra a quebra das promessas e exigem outras. Na perspectiva poética, cabe a cidade que se mostra em seus jardins, edificações, hábitos e cores, no jeito de vestir e no caminhar de seus habitantes, que ocupam e inventam lugares, pintam paredes, cantam e dançam. É a cidade que se oferece exclusiva, múltipla e ininterruptamente à arte. Aparece como cenário de cinema e teatro, na música e literatura, nas vitrines de Chico, na São Paulo de Caetano, no Rio de Jobim, nos versos de Drummond e João Cabral, invisíveis e femininas na escrita de Calvino e Lispector, entre tantos. A perspectiva comunicacional pretende identificar os dialetos da cidade que é promovida pela publicidade, cintila em neons, é noticiada diariamente como cenário de violências e bondades e transformada em matéria prima para qualquer informação, para qualquer discurso. A cidade se comunica em suas marcas, sinalização, sons e é também interpretada e, assim, devolvida aos seus habitantes. A cidade é tomada, registrada e devolvida aos seus habitantes pelos media, pela política, em registros visuais e sonoros. A premissa é que a cidade simbólica tem sua própria lógica e tão logo sua imagem é formatada e apresentada, ela se desfaz, se transforma e se adequa a novos gritos das ruas, novas construções e novos sinais. A cidade é sempre a mesma. Se a procurarmos pelo nome e localização, mas é sempre outra, se pedirmos para que seja descria por alguém que a habita. Cada um com sua cidade.



Local: Auditório ICJ

Dia 26/11
Manhã

09:30 às 11:10


Mesa 03 – CARTOGRAFIA, CIDADES E MEDIAÇÕES

MEDIADORA: Profª Drª Maria Ataide Malcher (UFPA)

“TEM GUIA NA TOMADA”: TECNOLOGIA XAMÂNICA EM CIDADES DO NORDESTE PARAENSE
Jerônimo da Silva e Silva (UNIFESSPA)
O estudo de cosmologias de matrizes culturais africanas e indígenas na esfera da experiência religiosa tem como característica marcante o reconhecimento e o diálogo com entidades, seres incorpóreos, almas e deuses através do processo de “incorporação”. No recorte amazônico, algumas dessas aproximações ocorrem com seres denominados de encantados, definidos, grosso modo, como espíritos de pessoas que desaparecem no interior de rios e florestas, não passando pela morte física ou simplesmente desaparecendo, tais seres são ainda hábeis em aparecerem ou metamorfosearem-se em animais terrestres, aquáticos ou aéreos, portanto existentes portadores de perspectiva ontológica distinta daquela que habitualmente identificamos. Na literatura acadêmica não poucos são os estudos que denominam a relação dos encantados com seres humanos graças ao “dom de receber caboclo”, este “dom” pode ser dilapidado através do ritual marcado pela “feitura” ou “doutrinação” do iniciado para um contato instável com o encantado, tal ritual é acolhido, com uma ou outra variação, pelo conceito de xamanismo. Neste caso, os xamãs (portadores do dom) são pessoas com a capacidade de receber as entidades em seu corpo (“cavalo” ou “aparelho”) ou de serem levadas fisicamente ou não para o fundo dos rios, raízes de árvores e territórios aéreos, nomeados de encantaria. O conteúdo desta ponência versa sobre o ritual de iniciação xamânica de uma rezadeira no terreiro Oxalá-Xapanã, cidade de Bragança, nordeste paraense. Trata-se da jovem Luzia, portadora de entidades compostas de “índios brabos”, portanto, detentora de incorporações tão fortes que mesmo os pajés, mães e pais de santo mais “experientes” na localidade eram impedidos de terminarem o “tratamento”. Por outro lado, o avançar da etnografia desvela um processo de iniciação, contato e êxtase com as entidades enquanto escuta música eletrônica no celular ou no “som” doméstico, dentro de casa e tendo como testemunha apenas a presença materna. Aparelhos eletrônicos, tomadas e cabos eletrônicos são acoplados e sinalizam para o acoplamento ontológico das entidades no corpo da rezadeira, daí as assertivas de que “tem guia na tomada” e o “Techno é uma viajem”. Pretende-se enfatizar nesta exposição a relação do xamanismo com o que denominamos de “objetos eletrônicos”, bem como outros “sentidos” para o aparato transformacional do conceito de “meios de comunicação”.


CARTOGRAFIAS URBANAS: O GOVERNAMENTO DO SUJEITO NAS REDES DE SABER-PODER DOS ESPAÇOS INSTITUCIONAIS
Profª Drª Regina Baracuhy (UFPB / PROLING / CIDADI)

O objetivo deste trabalho é discutir a rede heterogênea de saberes e poderes que se entrelaçam na cartografia de João Pessoa, materializada em suportes diversos, sobretudo em grafites e campanhas de prevenção que visam a agenciar, manipular, controlar a conduta dos sujeitos urbanos. Isso envolve um conjunto de estratégias, técnicas e procedimentos de controle que visam à gestão política global da vida da população, em profundidade, minuciosamente, no detalhe. É o que Michel Foucault designa de governamentalidade. Mais do que nunca, esta “arte de governar”, que se desenvolveu a partir do século XVII no Ocidente, está presente em nossa sociedade de controle, em que “o poder se torna inteiramente biopolítico, todo o corpo social é abarcado pela máquina do poder e desenvolvido em suas virtualidades” (HARDT, 2001: 43). A administração da população se faz de forma sutil, quase imperceptível, penetrando em todos os poros da sociedade. Os mecanismos disciplinares incidem tanto no “corpo–espécie”, isto é, de forma individualizante no corpo biológico, caracterizando o “governo de si”, como através de políticas públicas ligadas à segurança, alimentação, saúde pública, etc., que fomentam o aumento de duração de vida da população em geral. Em suma, “as disciplinas do corpo e as regulações da população constituem os dois pólos em torno do quais se desenvolve a organização do poder sobre a vida”. (FOUCAULT, 1999:131). Pretendemos analisar o funcionamento discursivo dos enunciados sincréticos que compõem nosso corpus para compreendermos como é tecida essa rede inextricável entre poder, saber e produção de sujeitos historicamente situados em um dado tempo e espaço social. Na esteira das contribuições de Michel Foucault para a Análise do Discurso realizada no Brasil, pautamos nossas discussões. Daí nosso maior questionamento: será possível ao sujeito resistir a esses mecanismos de poder estatal, que não age pela repressão, pela força bruta, mas pela positividade, no afã de tornar a população, uma aliada de seus (dele) anseios?

O ANIVERSÁRIO DA CIDADE: DISCURSO, MEMÓRIA, IDENTIDADE
Profª Drª Vera Regina Veiga França (UFMG)

Onde entra a comunicação no aniversário de uma cidade? Como ela dialoga com a construção da memória (e a ação do esquecimento)? Como tratar a dimensão discursiva da identidade? E quais são as questões metodológicas e as possibilidades analíticas para tratar, do ponto de vista comunicacional, o aniversário de uma cidade? Estes são pontos que procurarei discutir em minha intervenção, tomando como referência o centenário de Belo Horizonte para ajudar a pensar os 400 anos de Belém.

Local: Auditório ICJ



11:10 às 12:40

MESA 04 - ENTRE SABERES, PODERES, TERRITÓRIOS E DISPOSITIVOS NA AMÉRICA LATINA

MEDIADOR: Isabel Cristina França dos Santos Rodrigues (UFPA)

NAS RAIAS DA CIDADE LETRADA: OBSERVAÇÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA DE PESQUISA COLABORATIVA ENTRE BRASIL E HONDURAS
Thomas Massao Fairchild (UFPA)

Nesta comunicação, apresento alguns aspectos do trabalho que vimos desenvolvendo em parceria com a Universidad Pedagógica Nacional Francisco Morazán (UPNFM), de Honduras, em prol da implementação da pesquisa como elemento intrínseco da formação de professores de diversas áreas. Faço um recorte pontual desse trabalho, apresentando resultados iniciais de um estado da arte das pesquisas sobre leitura e escrita em Honduras, que tem sido feita como parte das atividades do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise (GEPPEP-USP). A elaboração desse estado da arte tem se realizado sob a orientação de uma pergunta investigativa ampla – produz-se conhecimento nas licenciaturas¿ – por meio da qual temos defendido que a noção de “conhecimento” não seja tomada como transparente, mas que se assuma como problema da universidade descrever o que a universidade apresenta como “conhecimento” e os processos por meio dos quais esses produtos são engendrados e se instituem enquanto “conhecimento”. Ao revisar a literatura hondurenha, portanto, temos indagado como esses textos nos permitem conhecer um pouco sobre o modo como se escreve na universidade hondurenha e sobre o modo como, em Honduras, se diz que se lê e se escreve em Honduras. Temos nos valido da metáfora da “cidade letrada”, de Ángel Rama, para desenvolver essas reflexões, encarando o escrito acadêmico ao mesmo tempo enquanto texto, que pode ser analisado em um plano linguístico ou composicional, e enquanto instituição, que requer uma análise no plano das redes de memória em que se inscreve e dos processos materiais aos quais confere eficácia. Os resultados dessa revisão de literatura vem nos servindo como elemento de diagnóstico a respeito das concepções e práticas de pesquisa existentes na UPNFM e sua própria elaboração tem sido realizada como atividade de pesquisa assumida conjuntamente com os docentes hondurenhos. O estado da arte também tem se constituído como elemento para comparações com a produção brasileira, levando-nos a discutir como a pesquisa nesses dois países, partindo de suas realidades locais, dialoga com a produção acadêmica de outros países ou regiões, especialmente aquelas que sobressaem como “centros de referência”.

A FOTOGRAFIA, A CIDADE E OS ESPAÇOS DE TORTURA
Augusto Sarmento-Pantoja (UFPA - Abaetetuba)

Pensar a cidade e as sua relação com a memória movimenta questões em torno do processo de construção da memória dos espaços de tortura na América Latina. Desse modo, a fotografia contemporânea permite compreender a imagem monumental e imonumental desses espaços, os quais revelam o conflito entre a representação necessária da memória e do trauma contrapondo a representação do descaso e do silenciamento de suas histórias. Identificamos que a narrativa desses espaços, quase sempre fica esquecida, descaracterizada, ocultada, arruinada e demolida. Pois as evidências de sua relação com a barbárie são apagadas ou pormenorizadas. São exemplos, os presídios de Cotijuba, São José, no Pará; Carandiru e Ilha Bela, em São Paulo. Fazemos um contraponto com espaços ressignificados como o Memorial da Resistência, em São Paulo; o Archivo Provincial de la Memoria, de Córdoba e o Museo de la Memoria e de los Derechos Humanos, em Santiago. Discutiremos por meio das imagens os processos de monumentalização da barbárie. Assim, pensamos como esses espaços foram incorporados e/ou desincorporados ao cotidiano das cidades? Quais os processos de territorialização e desterritorialização são ali encontrados? O tratamento dado aos prédios é correlato à publicidade da história dos mesmos e suas funções tanto no passado quanto na contemporaneidade? Estas questões tomam corpo quando nos deparamos com os estudos sobre a imagem em FLUSÉN (1985), DEBORD (2003), DELEUZE, (2000).


O DISPOSITIVO ESCOLAR REPUBLICANO NA PAISAGEM DAS CIDADES BRASILEIRAS: ENUNCIADOS, VISIBILIDADES, SUBJETIVIDADES
Maria do Rosário Gregolin (UNESP-Araraquara)

Nos primeiros anos da República brasileira, a paisagem das cidades foi alterada pela instalação de prédios escolares suntuosos: inaugurava-se a rede de um dispositivo de saber e de poder (FOUCAULT, 1999) que atendia às exigências históricas de construção da identidade nacional, com base nos ideais positivistas de ordem, progresso, higiene, civilidade etc. A instalação desse dispositivo coincidiu com o início da ampliação dos usos sociais da fotografia no Brasil. Muitas instituições produziram suas imagens fotográficas e fixaram uma memória iconográfica dos espaços escolares e das práticas discursivas desenvolvidas no interior dessa rede de saber e de poder. O objetivo desta comunicação é mobilizar o conceito foucaultiano de dispositivo para analisar as curvas de visibilidade e de enunciabilidade, as linhas de força e os jogos de subjetividades como elementos de constituição da escola republicana como um dispositivo que atendeu às urgências políticas de um certo momento da construção identitária do Brasil.




Dia 27/11
Manhã


MESA 05 – CIDADES POLIFÔNICAS: Espaços Digitais, Resistências e Subjetividades

MEDIADORA: Maria do Rosário Gregolin (UNESP-Araraquara)

DOS SONS, DAS LETRAS, DAS VESTES E TRAJETOS: DE ONDE FORMAÇÕES HOMOGENEIZANTES OU SABERES QUE SE RESISTEM?
Marcos André Dantas da Cunha (UFPA)
                                                                      
Por onde se inscrevem as manifestações culturais e religiosas paraense? Teríamos práticas culturais eminentemente orais que se difundiriam em espaços distintos, apresentando uma série de sentidos que corporificariam uma prática? Os sentidos dessas práticas se materializam numa diversidade de possibilidades enunciativas (FOUCAULT, 2008), inscritos em linguagens de gestos e corpos. Num corpo que se performatiza e se coloca sob o foco do olhar (COURTINE, 2008). Um corpo preparado para ser visibilizado na sociedade enfatizada pelo espetáculo. Por outro lado, o poder de permanência dessas práticas culturais estaria no fato de justamente trazerem para si enunciados que se constituiriam de sentidos representativos de uma dada vivência e cotidianidade? Mas o determinado não pressupõe delimitações estanques e sim escalas em intercalações de poder, em constituições de sentidos (FOUCAULT, 2007) Pelas manifestações que neste caso chamaremos de folclóricas e religiosas se delimitariam lugares, se circunscreveriam saberes que se fazem reivindicar em uma cultura: projeto de unidade. Por estas se assumiriam um lugar de pertencimento? (BAUMAN, 2005). Pensar e analisar as práticas culturais no modo de estruturação pós-moderno significa discuti-las em suas formas de disseminação e pasteurização, compreendê-las pelo viés da apropriação de um consumismo homogeneizante ou de uma permanência resistente. Isto se faz necessário para se pensar as práticas culturais, considerando-as em sua reivindicada e definida localidade ou em sua fugaz espacialidade (SANTOS, 2002, p.27) Os enunciados se deslocam e as práticas culturais se ressignificam nas distintas culturas em relações mais ou menos verticalizadas (FOUCAULT, 2007). Por uma rede complexa do mundo pós-moderno globalizado, observam-se nas práticas culturais relações de recusa, apreço ou ainda hostilidade de uma cultura relativa a outra. (CANCLINI, 2009, p.44). Ao se refletir sobre as movimentações espaciais de tais manifestações solicita-se aos analistas um posicionamento em torno do papel da comunicação, no caso dos meios, na apropriação pela permitida resistência ou na resistente produção permanente de dizeres. Faz-se necessário atentar com cuidado para uma certa remodelação dos espaços públicos, bem como nos dispositivos que se perdem ou se recriam, resultando no reconhecimento ou na proscriação das múltiplas vozes presentes em cada sociedade. (CANCLINI, 2008, p.19). As análises das manifestações culturais nos motivam a verificá-las não somente enquanto partes ressonantes de materialidades que se disseminam das enunciações de uma certa memória colonialista europeia ou mesmo de uma mais recente difusão de um imperialismo americano, sob as práticas culturais da/na américa latina. Tais manifestações devem sim serem percebidas como parte de um processo de reordenação em uma posição periférica e dependente dentro de um sistema mundial, pela disseminação de intercâmbios desiguais (CANCLINI, 2008, p.13).


QUERIA DIZER QUE TE AMO: outros corpos em vídeos de declarações gays na espacialidade do youtube
Nilton Milanez (Laboratório de Estudos do Discurso e do Corpo/UESB)

A partir de 2012 pipocam no youtube postagens de declarações de amor, que chamarei em um primeiro momento, gays, revelando um espaço de visualidades e audibilidades para outros corpos em amizade e afeto. Tomando a delimitação do campo desse tema no youtube vou discutir dois eixos. O primeiro diz respeito às condições de possibilidade das declarações de amor de meninos para meninos e meninas para meninas, como também a problematização das formas de distribuição desse conteúdo. Essa geografia digital organiza a espacialidade das práticas de si dos sujeitos e de seu desdobramento em outros corpos. O segundo trata dos estratos sócio-históricos que aparecem da escavação dos ecos de memórias audiovisuais de nosso tempo para a construção de espaços outros. Sob esse aspecto, investigo, portanto, como a reprodução de certos gestos corporais, usos icônicos e linguísticos fazem parte de um campo associado para uma geografia do declarar-se em amor no youtube. Ou seja, ilumino uma heterotopia espacial como gatilho para a reinvenção da sexualidade de outras heterotopias biológicas, que autorizam o dizer verdadeiro dos sujeitos a dizerem eu te amo.


CIDADE, FELICIDADE E SUBJETIVIDADE: TRÊS RIMAS, QUAL SOLUÇÃO?
Antônio Fernandes Júnior (UFG/UFSCar)

Em diferentes espaços urbanos, deparamos com discursos, como no campo da propaganda, por exemplo, que trazem a promessa de felicidade como uma urgência a ser experimentada pelos cidadãos que circulam e vivem nas cidades. Esses discursos articulam saberes do campo médico e/ou terapêutico e funcionam como estratégias que inserem a felicidade na ordem do dia. Amparados nas reflexões de Michel Foucault, nossa atenção recai sobre o conceito de dispositivos de poder que, ligados à temática do bem-estar e da segurança, colocam/impõe a busca pela felicidade como urgência de nossa temporalidade histórica. Pretendemos, com este trabalho, refletir sobre as seguintes questões: como pensar a relação entre cidade, felicidade e produção de subjetividade? Que estratégias são mobilizadas para que a felicidade entre na ordem do dia e dos discursos? Quais regularidades podem ser estabelecidas entre diferentes discursos que tomam a felicidade como uma urgência histórica?

Local: Auditório ICJ

11:10 às 12:40

MESA 6 – CIDADES AMAZÔNICAS: Discursos, Enunciados e Memórias

Mediadora: Profa. Dra. Ivânia dos Santos Neves (UFPA)

SÃO LUÍS, A MANCHESTER DO NORTE: A CIDADE (RE)SIGNIFICADA PELOS DISCURSOS DO PATRIMÔNIO
Conceição Belfort (UFMA)

Análise da produção de identidades em São Luís, Maranhão. Busca-se compreender, por meio da genealogia foucaultiana, como se constituiu, histórica e discursivamente, uma simultaneidade de identidades, que nomeiam, atualmente, a ―São Luís da diversidade, a partir do conceito de patrimônio cultural, edificado por várias práticas discursivas. Faz-se uma análise de diversos discursos, buscando a emergência de acontecimentos que os fabricaram e criaram São Luís como Athenas Brasileira, como Manchester do Norte, como Jamaica, e, atualmente, como diversidade (num espaço que reúne a multiplicidade, onde tudo acontece ao mesmo tempo, agora). O corpus assinala a longa duração histórica recortada nesta pesquisa (séculos XVIII-XXI). Em cada momento da irrupção do discurso de ―patrimônio ele se materializa em textos e suportes de diferentes naturezas: livros e imprensa ilustram práticas discursivas que constroem a identidade de Athenas Brasileira (séculos XVIII-XIX); leis, documentos oficiais, documentos fotográficos registram o epíteto Manchester do Norte (início do século XX); várias mídias – impresso, outdoors, planfletos, busdoors – na atualidade, destacam uma simultaneidade de identidades. A pesquisa orienta-se pela proposta teórico-metodológica adotada pela Análise do Discurso de base foucaultiana, na direção que é dada no Brasil pelos trabalhos de Gregolin (2004), Sargentini e Navarro-Barbosa (2004), Fernandes (2007) e nas preocupações de um grupo de pesquisadores, que vêm, a partir da AD, pensando as identidades maranhenses (CRUZ, 2005; SANTOS, 2002; MATOS, 2002; CARVALHO, 2001). Para a constituição histórico-discursiva de uma ―São Luís da diversidade, a pesquisa parte da genealogia do conceito de patrimônio, destacando duas concepções que o performaram enquanto um elemento constitutivo de identidade: o patrimônio material e o patrimônio imaterial.


MANAUS COMO CIDADE-SEDE DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL
EM ENUNCIADOS VERBAIS E NÃO VERBAIS:
MEMÓRIA? ACONTECIMENTO?
Claudiana Narzetti (PPGLA/UEA)

O presente trabalho versa sobre os enunciados verbais e não-verbais (tanto em sua imbricação quanto em sua individualidade) que circularam na Rede Mundial de Computadores, tematizando a cidade de Manaus como uma das sedes da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Esses enunciados, produzidos no período imediatamente anterior, durante e no período imediatamente posterior à realização dos jogos do referido torneio, por um lado, inserem-se numa rede de memória que atualiza um conjunto de discursos fundadores sobre a cidade de Manaus e seu povo; por outro lado, dão lugar ao acontecimento, uma vez que, na série da qual fazem parte, esses enunciados permitem o aparecimento de discursos-outros (PÊCHEUX, 2002). Nossa análise tem por objetivo detectar os pontos de ativação dessa rede de memória e desse(s) acontecimento(s), e inquirir se o discurso predominantemente mobilizado atua mais no sentido da reprodução de uma memória fortemente constituída ou no sentido de uma desestruturação e reestruturação dessa memória, dando prioridade ao acontecimento. O referencial teórico-analítico é o da Análise do discurso francesa derivada dos trabalhos de Michel Pêcheux. O corpus consiste em enunciados verbais, não-verbais e multimodais que circularam nos meios de comunicação online. A reflexão justifica-se, por um lado, pela relativa ausência de trabalhos pautados pela perspectiva inaugurada pela Análise do discurso francesa acerca da cidade de Manaus, e mesmo da região amazônica onde ela está inserida; por outro lado, pela necessidade de testar a fecundidade de formulações teóricas relativas à memória e ao acontecimento desenvolvidas no seio desta corrente da AD. 

A CIDADE-FLORESTA EM TELAS E TRAMAS:
Visualidades e Oralidades em Maria Necy Balieiro
Prof. Dr. Agenor Sarraf Pacheco

O município de Breves, no Marajó das Florestas, constituiu seu singular espaço urbano por diferentes tramas socioculturais ao longo de sua história. A cidade tornou-se importante zona de inspiração para diferentes artistas que, explorando o universo da visualidade em teias com a oralidade, reconstituem cenas da vida urbana, valorizando cosmologias, linguagens, saberes, tradições e estéticas locais em interações com outros códigos sociais como campo de possibilidades para se repensar e problematizar concepções clássicas, homogêneas e unilaterais de cidade na Amazônia, alinhada ao mundo eurocentrado. A pintora Maria Necy Pereira Balieiro, nascida nesse território, é uma das artistas que vem se nutrindo de convivências familiares e percepções pessoais para produzir pinturas que apreendem a interconexão cidade e floresta, trabalho e cotidiano em telas exploradas nas arte(manha)s do poderosa memória oral. Com base no método etnobiográfico, para tecer escrita compartilhada, e fundamentado no conceito de interculturalidade, para apreender o entrelaçamento de enunciados urbanos e rurais, o artigo procura reconstituir aspectos da trajetória de vida pessoal e profissional de Maria Necy, analisando escritas e pinturas de si, do outro e do nós, alinhavadas pelo fazer etnográfico que, pela arte das lembranças em telas, (re)constrói complexas dimensões e experiências interculturais sobre a cidade-floresta Breves, seus moradores, suas práticas e a vida da própria artista que transforma as pinturas em textos visuais (auto)biográficos e produz outras narrativas do urbano na Amazônia Marajoara. Por esse enredo, a cidade que emerge das pinturas da artista ajuda a avançar na compreensão de que o nascimento de muitos espaços urbanos na Amazônia se fazem no interstício “cidade-floresta”. Essa compreensão traz à tona noções urbanidades que se manifestam em terras firmes e de várzeas, bocas de rios, beiras de estradas, formadas por nativos, colonizadores, diaspóricos, migrantes e sujeitos que nasceram de distintos enfrentamentos interraciais. Em pesquisa anterior (PACHECO, 2006), a cidade-floresta revelou-se para mim no intenso diálogo com seus diferentes moradores que permitem captar injunções natureza e cultura em práticas residuais e emergentes, captadas em atitudes de mulheres e homens na busca cotidiana para resolver necessidades, interesses e expectativas (THOMPSON, 1981). Apreender maneiras como populações marajoaras vivem em “cidades-florestas” faz perceber o intercruzar de costumes tradicionais com formas renovadas da vida material e simbólica constituídas por outras formas de urbanidades. Nas pinturas, práticas socioculturais constituídas na relação com a floresta transmigram junto a objetos da cultura material do migrante, incorporando-se no tecido social da cidade em estilos modernos e pós-modernos.






Nossos artistas convidados


                                              Cartunista argentino Gervásio Troche



















Artista Plástico Paulo Nazareth
























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